Prefeitos e vereadores ter?o desafio de combater fome no Brasil
Mais de 21 milh?es de lares enfrentavam inseguran?a alimentar em 2023
Publicado em 29/08/2024 - 08:02 Por Vitor Abdala* - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
A aposentada Leonor Pires Faria, de 67 anos, cuida das três netas, com idades entre 9 e 13 anos. Moradora de uma favela na regi?o metropolitana do Rio de Janeiro e ganhando um salário mínimo, ela encontra dificuldades em garantir o sustento da família. E isso inclui uma das necessidades mais básicas de qualquer ser humano: a alimenta??o.
“é muito difícil. Tem dia que dá para levar legal, mas tem dia que é muito difícil. Se minhas netas tivessem direito ao Bolsa Família, já ajudaria muito. Eu fui no Cras [Centro de Referência da Assistência Social do município] para ver [se elas teriam direito ao benefício] e deu que sou aposentada e elas n?o tinham direito?porque moravam comigo.?Uma aposentadoria dá para quatro pessoas”, lamenta Leonor.
Sem dinheiro suficiente para garantir alimenta??o adequada para si e as três netas, ela precisa recorrer à ajuda de uma organiza??o n?o governamental que distribui alimentos. “O município deveria ajudar quem precisa, fazendo um levantamento de quem precisa e quem n?o precisa”, completa a aposentada.
No Brasil, existem 21,6 milh?es de lares, espalhados pelos 5.571 municípios brasileiros, que enfrentavam algum grau de inseguran?a alimentar?em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso de 7,4 milh?es desses domicílios, as pessoas conviviam com um quadro moderado ou grave de inseguran?a, que consiste na redu??o da quantidade de alimentos consumidos ou na ruptura em seus padr?es de alimenta??o.
Esse é um dos problemas que muitos prefeitos e vereadores eleitos neste ano ter?o que enfrentar em seus mandatos, que come?ar?o em 1o de janeiro de 2025.
Eduardo Lúcio dos Santos é fundador do Projeto Uni?o Solidária, uma das diversas organiza??es n?o governamentais (ONGs) que atendem a pessoas em situa??o de inseguran?a alimentar no país. “Acredito que o município poderia ter políticas públicas voltadas para o combate à fome, poderíamos ter reuni?es, encontros para os projetos e ONGs colocarem suas ideias. Nós, que somos um simples projeto, conseguimos levar ajuda para tantas pessoas.?Certamente com o município, com a máquina pública e, principalmente, querendo fazer, teríamos uma cidade mais humana, menos violenta e sem pessoas passando fome”, afirma.
Sua esperan?a é que os futuros prefeitos e vereadores tenham um olhar mais humano em rela??o aos menos favorecidos. “Que tenham empatia e queiram, de verdade, resolver os problemas dos menos favorecidos, n?o apenas na quest?o da fome, mas também nas quest?es básicas, como saúde, educa??o, esporte e lazer. Espero que os políticos n?o apare?am somente agora por ser um período eleitoral, mas que?permane?am e cumpram as promessas de campanha”, afirma Santos.
Fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a A??o da Cidadania é uma das organiza??es n?o governamentais que atuam no combate à fome mais conhecidas do país. Para o diretor executivo da ONG, Kiko Afonso, diz que o município é um dos entes mais envolvidos no combate à fome.
Os municípios s?o responsáveis, por exemplo, pelo cadastramento dos beneficiários do Bolsa Família. “Os Cras, que s?o geridos pelas prefeituras, s?o a porta de entrada de qualquer cidad?o para os programas públicos, como o Bolsa Família e o Benefício de Presta??o Continuada [BPC]. O grande problema é que a gente tem visto boa parte das prefeituras desvalorizar os Cras. Você vai num Cras e ele está sem equipe, sem equipamento, sem infraestrutura para atender à demanda que chega a ele”, explica Afonso.
Ele afirma ainda que as prefeituras deveriam n?o apenas atender às pessoas que procuram os Cras, mas fazer buscas ativas entre seus munícipes para incluir no Cadastro único (Cadúnico) do governo federal aquelas pessoas que ainda n?o s?o contempladas por programas sociais, como muitos que vivem em situa??o de rua.
Outra política importante no combate à inseguran?a alimentar, principalmente de crian?as e jovens, é a merenda escolar. O Programa Nacional de Alimenta??o Escolar (Pnae) é financiado por verbas federais, mas s?o as prefeituras que usam esses recursos e colocam as merendas nas escolas de educa??o infantil e de ensino fundamental.
“A prefeitura precisa estar adequada a todo o programa, para que possa oferecer alimenta??o saudável à popula??o. Infelizmente n?o é o que a gente vê. Em muitos casos, tem escola pública oferecendo macarr?o com salsicha, biscoito de água e sal”, destaca Afonso.
Segundo a professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Juliana Lignani, o papel dos municípios no combate à fome é estratégico, porque ele é a unidade da federa??o que está mais próxima dos cidad?os.
“O município consegue compreender quem é a sua popula??o, os principais determinantes da inseguran?a alimentar e atuar de maneira mais direta e específica ao problema local, que pode variar de um município para outro”.
Juliana explica que a renda é um determinante importante na quest?o da inseguran?a alimentar, mas n?o o único. “Tem outras situa??es como o acesso ao emprego, à educa??o, à produ??o de alimentos, ao abastecimento de alimentos. E cada município tem sua especificidade. Talvez uma política importante seja repensar sua produ??o de alimentos. Que tipo de alimento está sendo produzido? Que apoio está sendo dado aos produtores de alimentos?”.
Os conselhos municipais de Seguran?a Alimentar s?o instrumentos importantes para que os municípios conhe?am suas especificidades e adotem políticas para combater a fome em seus territórios, de acordo com a pesquisadora.
“O conselho é um órg?o super importante, porque?consegue ter essa no??o e esse mapeamento da condi??o de inseguran?a alimentar dentro de cada localidade”, afirma Juliana, ressaltando que também é importante que prefeitos e vereadores articulem a inseguran?a alimentar a outros sistemas, como o de Assistência Social e o Sistema único de Saúde (SUS).
“Vereadores e prefeitos v?o ter papel super importante, já que s?o os legisladores e os executores dessas a??es, desses programas e dessas políticas. é possível que eles consigam determinar, direcionar, estruturar políticas que dialogam com as necessidades locais e que fa?am sentido, para que tenham um resultado bem efetivo”, afirma Juliana.
Segundo Kiko Afonso, vereadores s?o responsáveis por aprovar a cria??o dos conselhos de Seguran?a Alimentar e garantir a destina??o de recursos a eles, além de aprovarem legisla??es específicas para o combate à fome.
“E o papel da prefeitura na cadeia toda do combate à fome é absolutamente essencial. Sem a prefeitura, boa parte dos programas n?o chega na ponta, por mais que tenham recursos e vontade política dos governos federal ou estadual”, conclui Afonso.
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*Colaborou Francielly Barbosa, estagiária sob supervis?o de Vinicius Lisboa
Edi??o: Gra?a Adjuto